SPFW chegou ao fim e pesquisei algumas marcas para ver o que aconteceu de melhor. Além da roupa em si, levei em conta a história e a inspiração por trás do glamour. E aqui está o resultado:

tak4615-318x480

No começo desta história existe uma mulher, Jacira Roque Oliveira, artista e moradora da periferia de São Paulo. Criou seus meninos, Evandro e Leandro, dando o que de melhor tinha. E nesse melhor, a poesia de seus bordados, que nada pode substituir. O entrelaçar dos fios é um emaranhado de histórias que que alinhavaram o conceito da coleção, como contou João Pimenta, diretor criativo da marca. Não à toa o tema é “Herança”.

E dentro dessa herança, temos o pedido de Evandro Fióti, um dos irmãos, para que o tema fosse samba. “Ele me contou que cresceram com o samba em casa, então entendi que tínhamos autonomia pra explorar isso”, diz João Pimenta, estilista da marca. A persona que se criou para a história é a de um menino, skatista, que usa roupas da LAB, ouve rap. Ele herda um guarda-roupa de seu avô, um sambista dos anos 30, e começa a misturar suas roupas street com roupas vintage. Super cult!

Mas não é só isso: os bordados de Dona Jacira são os pontos coloridos do desfile que surgem como um legado de esperança. Um meio que “apesar de” acreditamos no nosso país. Temos o luto, a luta, mas não perdemos a alegria e a vontade de viver. Nem a dona Jacira. Nem os seus filhos. Nem eu e nem você.

Além disso, os bordados também trazem um valor do que é artesanal, da consciência do modo de fazer uma peça, da moda que tem propósito, passado e assim, futuro. O clima da coleção inteira é elegante, embora street, confortável, seguindo o lifestyle da marca.  As calças retas e fluidas do típico malandro do samba, com seu chapeuzinho, casam perfeitamente com o street mais esportivo do hip hop.

Um pouco de história e comportamento, um tanto de moda.

A La Garconne SPFW - N43 Março / 2017 foto: Ze Takahashi / FOTOSITE
A La Garconne
SPFW – N43
Março / 2017
foto: Ze Takahashi / FOTOSITE

 

No penúltimo dia de SPFW e a sala de desfile da À La Garçonne já anuncia o que estava por vir: lotada de celebridades, a expectativa é grande.

Embalada pela trilha forte de Max Blum, a primeira modelo dá o ritmo do desfile: Heloisa entra pisando firme, puxando os looks com inspiração no boxe, com cinturões onde lia-se a sigla ALG, a palavra Love e regatas com o escrito À La Garçovitch (quem já não quer uma dessas?).

70 looks mais tarde e o desfile termina com Je T’aime, Moi Non Plus, causando uma comoção na plateia. Afinal, a marca de Fabio Souza e Herchcovitch completa um ano e mostra uma trajetória extremamente focada e cada vez mais forte na construção não apenas de suas coleções, mas de imagem de moda e de um universo próprio.

Para fazer algo pleno, muitas vezes faz-se necessário tomar uma distância e olhar por outros ângulos. As vontades de Fabio pra essa coleção cruzam com os momentos de maior energia criativa de Alexandre quando ainda tinha a marca que leva seu nome. Anos 90, clubbing, estética s&m e a cena underground, de onde ele surgiu.

A volta da caveira, figura que sempre foi associado à grife que Herchcovitch fundou; homens de saia, a influência da lingerie, símbolos fetichistas, o trabalho com xadrez e renda, os sapatos pesados. Foi muito instigante – sem nostalgia – rever esses símbolos de vida da carreira de Alexandre, transportados para o mundo da À La Garçonne. A contribuição de Fabio, grande pesquisador de imagens e conectado com o universo vintage e esportivo, é obviamente fundamental na construção dessa marca, que tem como um de seus ícones o desenho da corda, que representa vínculo e união – inclusive, Fábio tem “a” corda da ALG tatuada no pulso há muito tempo. Adorei!

Projeto Estufa - Helen Rodel SPFW - N43 Março / 2017 foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE
Projeto Estufa – Helen Rodel
SPFW – N43
Março / 2017
foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE

 

Helen Rödel traz o que chama de “Alto Alto Verão” para a passarela, com corpos ventilados em looks super apropriados para verões mais quentes, como os vestidos vazados e biquínis. O capricho do feito à mão dá beleza mas é o que confere, além da estética, um nível de importância ao “made in” que justifica a presença da marca no Projeto Estufa. O projeto, que estreou na SPFW, selecionou marcas que provoquem reflexões, que inovem no modo de fazer.

Falar do “modo de fazer” de Helen é pensar além do resultado que vemos na passarela – um resultado de beleza das cores, de desenhos que contornam o corpo e valorizam a brasilidade. Falar das mãos que operam o crochê é pensar em mulheres que foram transformadas e empoderadas pelo trabalho com a estilista. “São mulheres que anos atrás se achavam apenas capazes de costurar um bico de pano de prato e hoje fazem um crochê maravilhoso. São mãos artesãs, pessoas com quem divido o meu trabalho…” O discurso de Helen e seu jeito de falar da equipe dispensam maiores argumentações do quanto é importante valorizar as mãos que constroem a beleza da moda. A história de cada ponto é o que nos move.

sou2460-318x480

Em sua estreia no SPFW, Fabiana fez uma coleção inspirada no Brasil. Nossa fauna, paisagens e arquitetura, mas também nas “pessoas que fazem, em quem está por trás do que a gente faz, que borda, costura…”, conta a estilista.

Fabiana tem um projeto social chamado Mulheres de Renda, em que elas podem levar o filho junto e ele tem espaço pra brincar, aulas de música e futebol enquanto as mães aprendem a bordar. O trabalho manual é uma das características principais no trabalho de Fabiana e ela busca sempre se atualizar com novas maneiras de trabalhar o bordado sem ficar datado. Assim, essa capacitação de mulheres é algo que, de fato, faz diferença na vida das famílias que participam e também no trabalho da marca.

Este desfile foi uma ótima amostra da capacidade de Fabiana em agradar mulheres de estilo e necessidades diferentes. O estilo casual invade a festa e vice versa, resultando em equilíbrio e leveza para os dois lados. Há os vestidos lindamente bordados e que consumiram um mês de trabalho cada, mas há também as peças em jeans – blusões oversized, saias, trench coats – que aparecem em bordados misturando lã e pedraria ou com aplicação de tiras de jeans reaproveitados, que seriam descartados. “Eu evito ao máximo o descarte e gosto de reaproveitar tecidos”, diz.

Fabiana é verdadeiramente uma pessoa generosa. Credita o trabalho de todos, como o da ONG Casulo Feliz, composto por ex-presidiárias que fizeram o fio de seda para casacos e blusas da coleção. Vale destacar também o trabalho de Luis Felipe Guimarães, 16 anos, sobrinho da estilista. São dele os lindos desenhos que aparecem ao final do desfile. Pássaros coloridos, crianças, flores decoram alguns vestidos em um dos momentos mais bonitos e delicados do desfile:  “Minha tia pediu para eu fazer desenhos que representassem várias regiões do Brasil. Daí tive que pensar bastante para descobrir como representar isso. E fiquei impressionado com o resultado final, com o que ela fez com os desenhos. Gostei muito”. Essa timidez e um olhar que ainda mantém certa inocência ficaram registrados nos looks, românticos sem pieguice, delicados e frescos. E Isabeli Fontana, cada vez mais linda, fecha o ciclo. Mais histórias entrelaçadas nos fios da moda.

GiG Couture SPFW - N43 Março / 2017 foto: Ze Takahashi / FOTOSITE
GiG Couture
SPFW – N43
Março / 2017
foto: Ze Takahashi / FOTOSITE

 

Como manter um denominador comum em uma coleção que passeia pelos anos 70, 80 e 90, com propostas tão diferentes entre si? Décadas que ganharam personalidades bastante contrastantes, num tempo em que a moda ainda não era online  e fast como hoje, foram a essência da marca mineira GIG Couture  que alinhavou bem as referências dessas épocas utilizando matéria prima, cores e brilho como um fio condutor estético, base de tudo.

Na prática, a tecnologia do maquinário combinada com trabalho artesanal transforma o tricô em material fluido, que escorre pelo corpo em diversas modelagens. E o mix de texturas estampadas cria imagens harmônicas nas sobreposições. Os fios dourados contornam e dão o brilho necessário. Assim é possível ter coerência entre o glitter que é muito disco, o power dressing e um grunge nada largado. Entre os “itens desejo”, blusas com shapes esportivos – mas totalmente reluzentes – saias mídi pregueadas, looks totalmente estampados (o camuflado é um dos hits), peças com ombros em evidência (mais fáceis de usar que as dos 80) ou mangas bufantes.

Gig Couture é um bom exemplo da moda urbana que dialoga com a geração que busca referências em outras épocas, revive outros tempos sem necessariamente se aprofundar, entendendo as superfícies e usando o styling para criar novos formatos. Em alguns momentos mais glamuroso, em outros mais street, ainda que um street bem elaborado. A postura pode ser mais disco, ou mais grunge, mas o que fica no geral é algo novo, a cara da segunda década dos anos 2000, onde a moda quer ser moda, e vira o passado do avesso sem grandes compromissos. O novo e o velho, de novo.

Adaptado dos textos de Juliana Lopes e Camila Yahn

FONTE: FFW

Qual o resultado disso tudo? Uma moda mais humana, voltada para os nossos e novos talentos, linkada em projetos sociais e que valoriza corpo e alma. O futuro vem aí!