A peça online ‘Cartas da Prisão’ apresenta as nuances da história de amor entre “M” e um assassino em série que matou mais de 40 mulheres. Fragmentos de situações abusivas também são exibidas
Com patrocínio do Instituto Avon, acontece de 08 de novembro a 1º de dezembro a nova temporada on-line do espetáculo teatral ‘Cartas da Prisão’, que contará com 12 sessões exibidas às segundas, terças e quartas às 20h00, no Youtube (Youtube/ProjetoAMeiaLuz). Excepcionalmente no dia 25 de novembro (quinta-feira), em comemoração ao Dia Internacional de Luta Contra a Violência à Mulher, acontecerá uma sessão extra da peça, com bate-papo após a apresentação. Em cartaz pela segunda vez (a primeira temporada ocorreu em abril deste ano, por meio da Lei Aldir Blanc), o espetáculo foi idealizado pela atriz Chica Portugal em parceria com Nanna de Castro – que também assina o roteiro – e Bruno Kott, à frente da direção.
O monólogo apresenta através de formato híbrido – entre vídeo documental e teatro – a evolução da história de amor via correspondência entre uma mulher de 42 anos e um assassino em série. A leitura das cartas e o enredo da peça mesclam histórias reais e fictícias sobre violência doméstica e relacionamentos abusivos, revelados com intuito de levar o público à reflexão. A peça é conduzida por Rita, uma atriz-performer interpretada por Chica Portugal. Nos dias 08, 22, 25 e 30 de novembro, ao final das sessões, o público será convidado para participar de um bate-papo via Zoom junto à equipe do espetáculo sobre o processo criativo e investigativo da montagem, e os diversos tipos de relações abusivas e suas reverberações.
Ao longo da peça, o público acompanhará a evolução do relacionamento de “M” e o desgaste da relação entre Rita e sua mãe, até que diversos pontos das duas histórias se tornam cada vez mais semelhantes. Rita também traz para a cena depoimentos reais de mulheres que viveram experiências amorosas com abusadores, além de materiais diversos sobre o tema. Na colcha de retalhos que vai se formando entre todas as histórias a personagem exemplifica os possíveis tipos de situações abusivas que podem ser vivenciadas – física, moral, psicológica, sexual ou patrimonial – e como essa realidade é comum na vida de mulheres de diversas classes sociais e raças. Segundo estimativa realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres, de junho de 2019 a junho de 2020 mais de 240 milhões de mulheres e adolescentes de 15 a 49 anos de todo o mundo foram vítimas de violência sexual e/ou física por um parceiro.
“Abracei o desafio deste projeto com a satisfação especial de falar sobre um tema que conheci de perto: o abuso. Muitas mulheres da minha geração sequer sabiam que estavam vivendo agressões psicológicos e, ainda hoje, muitas de nós normatizam relacionamentos abusivos. É comum acharmos que esta história é da outra, e não nossa. Dentre as facetas das relações abusivas, sempre me intrigou as mulheres que se correspondem com criminosos sexuais confessos na prisão. É comum que assassinos recebam centenas de cartas de amor de mulheres que os conhecem apenas pelo noticiário. É como se o abuso fosse não apenas aceito, perdoado, mas acolhido. Não quero e não posso julgar estas mulheres, apenas convidar o público a partir desta situação extrema e refletir sobre nossa convivência com a violência e o desrespeito não apenas no nível pessoal, mas social”, ressalta Nanna de Castro, autora do espetáculo.
O ponto de partida para a criação deste trabalho foi a pesquisa iniciada em 2018 pela atriz Chica Portugal sobre relações afetivas abusivas. O processo seguiu com a criação de um texto com autoria da dramaturga e roteirista Nanna de Castro, que rompe propositalmente o limite entre a realidade e a ficção, transitando entre depoimentos verdadeiros e fictícios, entre o noticiário e o poético. Obras como “Mulheres que Amam Demais” (Robin Norwood) e “Loucas de Amor” (Gilmar Mendes) foram usadas como material de apoio para a elaboração do roteiro. Sobre este texto, o diretor Bruno Kott fez sua leitura inspirado na linguagem documental e comenta: “A arte antes de tudo, é o exercício de democracia. O teatro sempre me traz oportunidades de aprendizado. Cartas da Prisão é um exemplo disso. Colaborar para que esta história seja contada me faz exercitar o meu ofício, minha escuta, potencializar discursos, e rever o meu papel no mundo.”
A pesquisa iniciada em 2018 por Chica Portugal deu origem ao “Projeto À Meia Luz”, que propõe através de várias frentes artísticas a conscientização a respeito de assuntos ligados à violência doméstica, com ênfase em relacionamentos abusivos. Entre maio e outubro de 2021 o Projeto realizou na Estação Santa Cecília do Metrô e nos shoppings do Complexo Tatuapé a exposição ‘À Meia Luz Na Pele’, que aborda a violência contra a mulher com ênfase em relacionamentos abusivos.
Em 2020, Chica iniciou uma pesquisa sobre Narcisismo Perverso, que nada mais é que a escala de um degrau na complexidade das histórias de abuso nas relações. “Nem todo abusador é um narcisista, mas todo narcisista é um abusador. Em ‘Cartas da Prisão’ buscamos trazer de forma sutil os diversos tipos de excesso presente nas relações e, junto a isso, refletir os paralelos do que nos condiciona a mantê-los”, explica Chica Portugal.