Flavio Cremonesi – ou melhor, Limonada -nasceu no interior de São Paulo, morou na Amazônia, mas se considera um caiçara de coração. Com uma história de aventuras viajando em um balão, ele se uniu à amigos cervejeiros e designers e criou uma cerveja que já é um sucesso: Lift tem aromas ricos, paladar suave e coloração absoluta. Junte a isso a essência do limão capeta, a sutileza do siciliano, toda a refrescância que nossa clima pede e a lembrança das melhores aventuras…Para se jogar de cabeça!
Tudo na vida tem uma origem, seja ela qual for. A origem da minha amizade com Flávio Cremonesi – Limonda – foi, no mínimo, inusitada. Eu era a DJ da noite no Arncangelo Bar e ele, convidado da minha amiga Jaqueline. Como chegou mais cedo, se colocou no lugar de maneira displicente e tirou os sapatos. Percebi logo a presença daquele indivíduo que mais parecia um alemão perdido em BH, se achando em casa. Quando fomos apresentados, vi que ele era mais maluco do que os pés descalços demonstravam. Sua alma leve e espírito sonhador foram o propulsor da nossa conversa e descobri um pouco de sua história. Marcamos a primeira degustação da Lift na varanda mais charmosa de BH. E essa entrevista marca
1 – Você tem uma apresentação simples, mas cheia de historia. Explica pra gente o que é ser “caipira de nascimento, caboclo de alma e caiçara na paixão.”
O caipira de nascimento vem pelo fato de ter nascido em Ourinhos (SP) e estudado em Piracicaba (SP), no curso de Engenharia Florestal. Lá, conheci o balonismo e o piloto/comandante Feodor Nenov há 15 anos, por decolar com a aeronave do campus da ESALQ/USP. Entrei de cabeça, corpo e alma nas aventuras aéreas e, em 2 temporadas, participei como personagem do programa “Mais Leve que o Ar” no canal off/multishow em expedições e a boa adrenalina.
2 – Sua vida mudou depois dos 40 de maneira bem radical. Errar menos é um dos seus lemas. Qual era a sua profissão antes de vc embarcar nessa aventura?
Iniciei minha vida profissional na maior floresta contínua do mundo: a Amazônia. Lá, fui atuante no manejo e certificação florestal FSC (Forest Stewardship Council). Além, aventurou-se em viagens intra-amazônicas de tirar o fôlego, como os 30 dias a bordo de um barco pelo rio Solimões; comunidades isoladas na floresta; subida em uma torre na Amazônia com 325 metros de altura na Reserva do Uatumã, entre outras histórias de fazer parar o coração.
Minha história com o Brasil é intensa. É mais fácil mencionar os estados brazucas que não conheço do que aqueles onde estive. Após me graduar no curso de Engenharia Florestal, na universidade referência na área “escolhida”, a ESALQ/USP, de Piracicaba (SP), me aventurei profissionalmente na maior floresta contínua e tropical do mundo: fui trabalhar na Amazônia. Por mais “machucados” que eu tenha ganhado com a distância das pessoas amadas, um carinho e respeito gigantesco pela região nasceu, fazendo de mim também um “caboclo de alma”.
Na Amazônia, vivenciei histórias incríveis. Viagens longas com barcos, ribeirinhos com vidas extraordinárias. Também testemunhei desastres ambientais e vi de perto a violência no interior do Pará. Isso mexeu comigo
Ao mesmo tempo, tive a oportunidade de ver o manejo florestal responsável ocupar áreas verdes a perder de vista no horizonte (eu trabalhava com certificação FSC). O Acre, para mim, foi um lugar com grandes aprendizados. A cidade de Cujubim, em Rondônia, era um “faroeste caboclo”. E assim é no Brasil profundo. Há que se mergulhar.
E eu mergulhei em muitas águas, como as dos rios Tapajós, Ueré, Juruá, Tarumã, Negro, Acre e, claro, um dos rios mais vibrantes que pude conhecer, o Uatumã (um afluente da margem esquerda do Amazonas). Fiz tudo isso por aí afora, ou melhor, adentro.
Dentro de uma história, há inúmeras pequenas histórias. Mas, definitivamente, meu sentimento era estranho.
Tenho a sensação ter errado mais do que acertado, do nascimento até os 40 anos. Agora quero acertar bem mais do que errar
E o mundo continua mudando. Hoje, por exemplo, não é mais um diploma de universidade que vai direcionar a pessoa para o resto da sua vida: é o portfólio de atividades que ela exerce. E essas atividades podem mudar sempre. Ainda bem.
Ilustro com um exemplo. Em 2007, junto com o comandante Feodor Nenov, que conheci há 15 anos na ESALQ, e mais dois jornalistas da (hoje extinta) revista Caminhos da Terra, fizemos a reportagem de capa a partir de uma grande aventura em Minas Gerais. Nosso alvo foi a cachoeira Casca d’Anta, a primeira queda d’água do rio São Francisco, com quase 200 metros de altura. Decolamos com o balão de ar quente na nascente do Velho Chico. Sobrevoamos aquela coluna vertical. Sou balonista, e ali também fui fotógrafo. Minha câmera era analógica e usava rolo de filme (imagine como foi segurar a ansiedade antes da revelação!).
Meu coração já começava a pulsar mais forte por Minas Gerais. Mal sabia eu que esse sentimento iria aflorar de novo na minha mente tantos anos depois.
Aquele dia, pousamos no meio do Parque Nacional da Serra da Canastra. Dormimos em barracas, sem qualquer tipo de comunicação, num cerrado exuberante sob um céu recheado de estrelas. Na madrugada seguinte, acordamos, inflamos o balão e decolamos para chegar em algum lugar. E, chegamos, enfim, a um vilarejo com menos de 10 mil habitantes, São João Batista do Glória. O impacto do balão é enorme. Ao verem a aeronave de cor azul se aproximar, as pessoas se aproximavam também. Os mineiros “brotavam” de todos os lugares pra ver. No fim, claro, recebemos aquele convite típico para tomar um café e comer um pão de queijo especial, recém saído do forno. Fui conquistado ali.
3 – Você “pousou seu balão” em Belo Horizonte. Adotou a capital mineira e Minas Gerais te adotou. E como começou a história da Lift?
Começou com todas essas mudanças. A minha foi tão radical que até meu signo se transformou. Sempre achei que era de Leão, por ter nascido no dia 22 de julho, mas descobri, por uma amiga daquelas “bruxas” do bem, que sou de Câncer. Aceitei e meus olhos encheram d’água! Como dizia Raulzito, ah, esses cancerianos sem lar! No final de 2016, mais precisamente no dia 17 de novembro, “pousei meu balão” em Belo Horizonte. Adotei a capital mineira e Minas Gerais me adotou. Como cheguei aqui?
Cheguei com uma única história e conhecia uma única pessoa na cidade, meu grande parceiro e amigo Gustavo Ziller. Conheci o “Zillermano”, como eu o chamo, em um evento da Globosat, no Rio de Janeiro, na comemoração dos quatro anos do canal OFF. Lá, ele tem o programa “7 cumes” e eu faço parte do time do programa “Mais Leve que o Ar”, que mescla balonismo e esportes radicais.
No entanto, ali, recém-chegado à cidade, entre um café e outro, eu disse ao Zillermano que tinha encerrado meu “livro”. Eu não queria fazer mais nada relacionado à minha profissão de engenheiro florestal. Depois de 12 anos, estava cansado. Tinha frustrações acumuladas, a distância de pessoas queridas, não via evolução no business, enfim, eu precisava mudar radicalmente.
A vida é uma só! Escrevi num papel o que gostava e não gostava de fazer. É melhor saber o que você não gosta, antes de realmente saber o que gosta
A palavra “cerveja” entrou, na lista “o que eu gosto”. Relembrei momentos de extrema felicidade quando estava junto com os parceiros, amigos e a cerveja. Lembrei do meu primeiro gole de cerveja na vida! E, UAU, vou trabalhar com cerveja! Não sabia como, quando, nem mesmo com quem.
O Zillermano falou com um sócio dele que tem espaços de cerveja artesanal na cidade e, por alguns dias, mudei o lado do balcão: trabalhei no Gastropub… lavando copos! Passava a noite e parte da madrugada toda lavando copos e servindo as “bebidas da felicidade” (cerveja!) para a galera. A minha mente se higienizava e uma nova pessoa ia nascendo.
A partir do Gastropub, comecei a entender que esse universo de business é sensacional. Eu me sentia uma criança numa loja de brinquedos! Ainda, não conhecia os estilos, ainda tinha muito a aprender, e tenho. Mas as coisas estavam se encaminhando. Nessas horas, os encontros mais inusitados — e necessários — acontecem quase que por mágica. Foi assim que conheci o cervejeiro Guilherme Fonseca (hoje, um dos meu sócios na Lift).
As oportunidades estão em lugares que nem imaginamos. Elas são quase imperceptíveis. Por isso temos de estar com o radar bem ligado.
Corta para 2017. Numa conversa com o Guilherme, contei sobre minha última aventura no “Mais Leve que o Ar”e ele me desafiou: “vamos fazer uma cerveja com essa história!”. “Como assim, fazer uma cerveja?”. Ele me perguntou que estilo eu queria. Sensacional. Claro que eu não sabia responder, só pedi que fosse algo refrescante. Dito e feito. Outro figura passou perto de nós, nessa hora, e Guilherme o chamou. Era o Henrique Mafra (a terceira parte da nossa sociedade). O time estava completo. Guilherme e Henrique criaram a receita da cerveja, no estilo Saison/Farmhouse Ale. Meu apelido influenciou. Ah, você chama ‘Limonada’. Vamos colocar limão na receita. Pura poesia cítrica!
Um negócio estava nascendo, uma nova carreira estava nascendo. Fizemos a primeira brassagem (mistura do malte com a água, etapa crucial na cervejaria artesanal) da Lift numa panela de 50 litros. Era uma sexta-feira 13, à noite, e a lua acompanhou tudo. Naquela primeira receita, ousamos em todos os sabores. Além do limão siciliano, colocamos o limão capeta também. A cerveja estava pronta, porém mais duas questões precisavam ser resolvidas: queríamos gerar impacto com a cerveja Lift e gerar escala num volume comercial.
Pensamos e chegamos à conclusão de que precisávamos gerar experiências marcantes, em vez de simplesmente produzir a cerveja. A solução: juntar aventura & cerveja. Era a minha conexão com aventura com a arte dos cervejeiros. Como a Lift é uma cerveja inspirada do elemento ar, o balonismo já estava ali. Faltavam mais elementos. Convidei dois amigos paraquedistas, ou melhor, base jumpers. O time da aventura formado. Ainda faltava o “gatilho” do lado do business, ou seja, uma cervejaria para nos ajudar a dar escala ao business.
Por obra do destino (ou do nosso entusiasmo maluco), os eventos se sucederam e fechamos uma parceria com a cervejaria Capa Preta. Para convencer os três sócios, no processo de contar para eles o que queríamos fazer, enviei o roteio do mini documentário, de 4 minutos, que mostra a experiência que marca a história da Lift: sim, nós voamos de balão com uma cozinha improvisada no cesto e, como se não bastasse, com dois base jumpers que saltaram do balão após a cerveja ser preparada.
E, sim!, vamos produzir a Lift em escala. As peças estavam encaixadas. Emoção é mato, como os mineiros falam! Em menos de seis meses, tenho uma nova vida. Com uma história, a partir de uma única pessoa, tudo isso se desmembrou, se conectou, fez sentido. Os últimos meses estão sendo muito intensos e creio que continuarão assim. Afinal, o bom é inimigo do ótimo. E tentar leva ao grande acerto.
4 –Agora, a pergunta é para o Henrique Mafra, cervejeiro da Lift: Hoje, a Lift está em grandes cervejarias de BH. Quais os planos futuros?
A Cerveja Lift é feita a partir de parcerias ciganas e nossa meta é atingir vários pontos do Brasil sem perder a qualidade. Temos que ciganar pelo Brasil para fazer cervejas frescas para serem consumidas localmente. Não funciona fazer uma cerveja aqui e mandar para Recife, por exemplo. Temos que fazer uma cerveja lá para distribuir regionalmente. Eu não conheço muito Brasil como o Flavio, mas conheço várias partes do mundo bebendo cerveja, como a belga, americana, inglesa, alemã… E a partir dessas vivências, experiências e conexões, fazendo amizade com o mundo cervejeiro, experimentando vários rótulos, conheci o meu sócio na cerveja Lift. E pensamos em fazer uma cerveja refrescante que traduza o Brasil, inovadora e tenha uma uma pegada aventureira. Fizemos então a Limone, nossa primeira receita, com estilo Saison, belga, que leva limão siciliano. Como o Flavio tem o apelido de Limonada, ela casou perfeitamente. Ajustamos a receita, usamos cardamomo e pimenta da Jamaica para dar uma complexidade maior a cerveja. Estamos já agora no segundo lote, e demos uma ajustada na receita para que ela ficasse mais refrescante, com o limão sobressaindo e menos ênfase nas especiarias, apenas uma nuance para perceber a complexidade da cerveja em alguns momentos.
Estão todos convidados a experimentar e ouvir a nossa história!
Veja aqui o documentário: