O que ninguém conta sobre morar no exterior
Luciana Sena
Oi gente, tudo bem? Prestes a completar um ano de Paris resolvi fazer um balanço da minha experiência, desde a chegada até agorinha há pouco, bebendo um cafezinho. Vamos lá!
Para muitos, principalmente nesse momento delicado pelo qual o Brasil está passando, abandonar tudo e vir morar fora pode ser reflexo de um desejo antigo, de um sonho ou sinal de total desespero! Infelizmente, nem tudo são flores. Total desconhecimento do idioma, diferenças culturais, estado civil, o fato de ter filhos ou não, budget apertado e até mesmo a idade podem gerar problemas. Já parou para pensar nisso?
Pois é, faço parte de vários grupos de brasileiros na França e tem dia que a gente lê pedido de ajuda estilo homem-bomba. Gente sem nenhum tipo de planejamento querendo vir com filho pequeno na cara e na coragem. Cuidado! Não é só na França, mas o mundo não perdoa, o negócio é punk até para quem planejou cuidadosamente, secretamente e ao longo de 2 anos – como foi o meu caso!
Idade = Maturidade
Eu sempre quis morar fora, falava tanto que minha mãe e alguns amigos já respondiam: “Ah é? Vai logo então”! Pela influência do francês, era meio óbvio querer vir para França. Mas hoje, morando aqui, acho que eu teria gostado sim de morar nos Estados Unidos… Mas esse é um assunto “polêmico” para outro post.
Não existe regra para esse tipo de mudança, mas maturidade, sem dúvida nenhuma, vai fazer muita diferença no que diz respeito à integração social e cultural na sua nova cidade. Mesmo com a ideia e a imagem de mundo globalizado, conectado, existem particularidades que nenhum livro, nenhum método de francês será capaz de te ensinar. Tem que viver! Aliás, é preciso se permitir viver, é preciso se abrir para um outro mundo.
Muitos brasileiros estão aqui há mais de 5 anos e não falam francês, trabalham e se relacionam apenas com outros brasileiros. Para eles, a França é horrível, mas voltar para o Brasil ninguém quer, deu para entender? Como diria a Márcia, amiga da minha mãe “ Ninguém é conserto do mundo”, não existe pior ou melhor, só diferente. O fator maturidade revela o quanto cada um está disposto a abaixar a guarda para aprender e ensinar.
Enfim, se você aceitar sua nova realidade, vai perceber aos poucos que existem outras formas de encarar a vida e começará a relativizar toda a bagagem de formação cultural e valores com a qual desembarcou e consequentemente vai progredir em vários aspectos.
Choque cultural
Para falar a verdade, leva um tempinho até você se acostumar com as diferenças culturais do local onde está morando. Achei, sinceramente, que eu não fosse passar por isso, eu tenho uma relação com o “idioma” francês desde de 1994. Não à toa destaquei a palavra idioma, que é bem diferente da cultura. O meu choque é de ordem cultural e não linguístico. Recentemente fui classificada como bilíngue, como se o francês fosse minha língua materna, o que me deixou muito feliz. Porém eu nunca serei 100% francesa! Conheço pessoas que moram aqui há anos e nunca se sentiram parte da cultura, primeiro porque, como já disse, não quiseram aprender o idioma ou porque simplesmente não se identificaram com o modo de vida francês.
Como meu sonho era falar francês fluente, no início me distanciei da comunidade brasileira – o que me fez muita falta -mas meus esforços finalmente deram resultado e hoje posso dizer que tenho amigos franceses maravilhosos. Eles são poucos, mas a amizade é realmente verdadeira.
Se já está no seu projeto se integrar verdadeiramente com uma cultura estrangeira, vale a pena se dedicar um pouco para conhecer as pessoas, seus costumes e tradições. Além de fazer amizades e contatos profissionais, você se torna mais tolerante em relação às pessoas, seja aqui ou aí, mesmo distante. A gente passa a aceitar diferentes comportamentos e vira amigo de pessoas com quem você talvez nunca falaria se estivesse no Brasil.
Hibridismo cultural
Um dia desses eu estava vendo TV e ao mesmo tempo pensando no que tinha acontecido ao longo do dia e como minha reação me surpreendeu. Comecei a perceber que algo em mim tinha mudado e uma propaganda chamou minha atenção. Era uma comparação entre o Chabal, um jogador francês de rugby que é um fenômeno e quase todo reconstruído e um carro composto de várias partes que o qualificaria como mais completo. Enfim…no final a frase “somos híbridos” fez plin pli na minha cabeça! Era assim que estava me sentindo, mas não sabia como expressar. Corri para o Google e, como sempre, ele me deu todas as respostas ;).
Quando paro para pensar em alguns aspectos da minha nova vida, tenho a sensação que meu “eu” se encontra no meio de duas culturas. É como se eu não fosse nem brasileira, nem francesa. Minha personalidade tomou posse de diversos aspectos da cultura francesa e os misturou com minha brasilidade. Tanto que chega até a ser estranho quando preciso ativar o modo “Brasil”, porque já não consigo mais falar alto em restaurantes e transportes públicos. E o pior! Fico brava com quem fala, olho feio. Outro dia estava numa pizzaria com um franco-alemão, conversando justamente sobre isso e lá fora passa um grupo de brasileiros cantando alto Michel Teló…deu para imaginar a cena? Boba que sou, morri de vergonha! Como diria Sandra: “que deselegante”!
Mas claro, por outro lado reclamo de diversos aspectos da cultura francesa que nunca vão fazer parte de mim. Como por exemplo a inércia. Eles pensam, pensam e acham que por pensar são seres iluminados. Quer uma boa e leve ilustração dessa característica? Paris é a cidade dos cafés, tem para toda esquina, mas sabe qual está sempre lotado? Starbucks! É melhor? De jeito nenhum, mas é rápido, eficiente e direto! Mas vocês acham que os cafés parisienses vão mudar? De jeito nenhum, a culpa é do mercado, da França que permite a invasão estrangeira blá blá blá…deu para entender a lógica deles?
Enfim, conheço pessoas na mesma situação e pode ser um pouco complicado se encontrar no meio disso tudo e entrar em equilíbrio. A gente não deixa de ser quem é, mas a gente se permite agregar outros valores da cultura na qual está inserida e a misturá-los com a sua identidade nacional. Não sei se um dia esse sentimento de estar entre culturas vai desaparecer, ou se elas vão se fundir ou se uma vai prevalecer sobre a outra…cada dia que passa é um aprendizado diferente e percebo que sei muito pouco da vida!
Bom week-end
Gros bisous
Lu Sena