Contrastes
Luciana Sena
O texto de hoje vai falar de uma outra realidade de Paris. A realidade de uma cidade que recebe e abriga asilados ou refugiados políticos.
Mas porquê?!
Bom, para validar meu mestrado em Didática do Francês Língua Estrangeira, preciso seguir um estágio obrigatório de no mínimo 40 horas. Detalhe: Eu tenho que me virar para encontrar o tal estágio. Mas como não sou boba nem nada, corri atrás e passei por um processo de seleção para estagiar como assistente na coordenação pedagógica de uma politécnica que receberá, em julho, cerca de 300 novos alunos para os cursos de graduação. Durante o verão, eles seguirão um curso super intensivo de francês para dar início às aulas em setembro!
Tava felizinha, fui uma das primeiras a conseguir o estágio, dei logo a notícia para minha tutora. Ela me parabenizou e disse que esse estágio será extra, mas contará para o segundo ano do mestrado, e informou que eu deveria seguir um estágio até fim de maio para entregar meu relatório dia primeiro de junho! “Fuen, fueenn, fueeennn”
Começo tudo de novo: procurar anúncios, enviar CV, sondar, propor etc., etc…e nada! Até que um dia, num sábado qualquer, recebo a ligação da coordenadora de projetos educacionais da prefeitura de Paris dizendo que eu tinha sido indicada – até agora não sei por quem! – para uma entrevista. Marcamos a data, compareci na hora marcada e…deu tudo certo, viva! Em seguida ela me apresenta o projeto. Agora é que são elas!
Durante toda a apresentação da Anna, eu fiquei com um nó na garganta, boca seca e levei tempo para digerir…Sabe aquele pessoal que chega na Europa num bote? Que durante a travessia fica dias sem comer, bebe a própria urina para matar a sede, vê amigos e familiares afogarem e nada podem fazer? Então, este é o perfil das turmas do projeto!
E como a cereja do bolo: eles não falam nada de francês e tampouco são escolarizados. Eles reconhecem algumas letras, mas não sabem ler nem escrever. Anna, que é muito experiente nessa área, segura a minha mão e diz: – Luciana, fica tranquila, você vai dar conta…eu não vou te mandar para a residência social sozinha. Cada turma terá dois professores titulares e um estagiário para observar, interagir, ajudar…Eu sei que assusta, mas você vai conseguir!
E hoje foi a primeira aula! Estou seguindo um grupo de 7 alunos vindos do Sudão e do Afeganistão. Eles tem entre 22 e 30 anos, todos não escolarizados, arabófonos* e estão na Europa há uns 8 meses, 1 ano. Começaram a peregrinação em suas cidades de origem (todo o trajeto é feito à pé, passaram pelo Irã, Líbia, Síria, até chegar num porto). Entraram pela Itália, foram à pé até a Áustria – que não autorizou a permanência – em seguida foram para a Alemanha, que pediu ajuda para a França, e aqui chegaram. Muitos são os únicos sobreviventes da família. O relato feito sobre um mapa mundi é impressionante!
Como eles não conhecem o alfabeto romano, hoje treinamos como em um jardim de infância. Escrevemos as letras bem grandes e fomos diminuindo aos poucos. Parece a coisa mais simples do mundo, mas não é! E como todos falam árabe, a lógica é invertida. Eles tendem a escrever da direita para a esquerda e abrem o caderno nas páginas finais, então escrever o próprio nome em alfabeto romano da esquerda para direita é demorado, trabalhoso, é uma reprogramação na forma de pensar e ver o mundo.
Já imaginou não saber ler e escrever? Essas habilidades são as chaves da maior liberdade que um ser humano pode ter. E se você pensa que eles são tristes, revoltados, está muito enganado! Quando souberam que eu era do Brasil, abriram aquele sorriso, me receberam com muita alegria. Me mostraram os cadernos, já sabem escrever todo o alfabeto e algumas poucas palavras. Escreveram meu nome no quadro. Tentamos conversar, surgiu o tema futebol, claro…e foi ótimo! Eu fiquei feliz com a conquista simples que tiveram hoje. É um povo sofrido, mas com muita esperança. E ver a felicidade de alguém que conseguiu escrever o próprio nome pela primeira vez é impagável…
Enfim! A expectativa dessa aula me deixou um pouco tensa, mas vendo o empenho deles e das professoras titulares – que são fantásticas – eu agradeci e senti muito orgulho em poder fazer parte desse projeto da prefeitura de Paris!
Aproveito o tema para indicar um filme: “O aluno”.
Até semana que vem,
Bisous,
Luciana Sena
* adjetivo e substantivo masculino: 1. Que ou quem fala árabe. adjetivo: 2. Que tem o árabe como língua oficial ou dominante (ex.: país arabófono).
Quer saber mais sobre a cidade luz?
Paris em 7 dias
SIMPLESMENTE PARIS !!!! Esta sugestão de roteiro pretende levar o turista para uma viagem bem completa pelos principais monumentos e regiões de uma das cidades mais lindas do mundo! Foi elaborado com base na minha experiência, na minha paixão pela cidade e pelo idioma. Para ilustrar as situações usei os desenhos da fera Inslee Haynes entre outros artistas internacionais que desenham Paris com muita paixão e delicadeza! Como “louca” pela França, visito sempre que posso e cada viagem me encanta por uma particularidade em especial. Paris sempre tem novidade! E a cada visita, acrescento uma região francesa. O interior francês é um escândalo, mas fica para o guia Tour Gastronômico: Conhecendo a França através de sua cozinha. Paris é uma cidade que não decepciona e nos transforma. Impossível ficar indiferente, um pouco dela vem embora com a gente.
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