Conheci Stella Florence meio por acaso. Ela era convidada do Sempre um Papo para lançar o livro “Eu me possuo” e como sou fã do projeto desde sempre, resolvi ler um pouco sobre a autora e percebi algumas afinidades de discurso. Chegando lá, me surpreendi com a delicadeza e força daquela mulher. Ela falava sobre seu livro e suas histórias pessoais com um misto de dor e superação que me impressionaram. Comprei o livro, li de maneira voraz e já emprestei para duas pessoas. Ele é simplesmente necessário. Tão necessário quanto descobrir Stella Florence. Confira:
Carol Meyer: Dizem que a gente escreve quando a alma não suporta mais. Escrever é um transbordar. Como aconteceu esse processo com você?
Stella Florence: Concordo. Escrever, para mim, é uma cura, um desabafo, uma explosão, uma reflexão, uma doação, tudo ao mesmo tempo.
CM: Seus livros falam de experiências duras, algumas das quais você viveu. Como é se desnudar nos livros? Vc sofre de novo as emoções do que passou?
SF: Quando eu escolho um tema duro (como o estupro, no meu mais recente romance “Eu me possuo”), tenho três objetivos: me curar, servir de espaço de acolhimento para quem já passou por aquele drama e prevenir quem não passou. Mesmo quando a questão me diz respeito particularmente, eu entrevisto muitas pessoas que passaram pelo mesmo drama para compor o livro de modo que as personagens não ficam fincadas na minha experiência apenas. E sim, quando escrevo, eu experimento mais uma vez as mesmas emoções.
CM: Muitos ainda falam sobre a cultura do estupro. O que você pensa sobre isso?
SF: A palavra cultura vem do latim e significa “cultivar”. Uma cultura do estupro, portanto, significa o cultivo de ideias, palavras e atitudes que mantém esse tipo de violência. É claro que a maioria do povo brasileiro repudia o estupro. No entanto, sem perceber, cultiva no seu dia a dia valores e práticas que o mantém: isso é cultura do estupro, filha do machismo. O silêncio da maioria das vítimas é a prova da existência de uma cultura do estupro. Sua mais forte característica é distorcer os fatos para colocar, sempre, a culpa na vítima. Enquanto nosso “não” for ignorado e nosso “sim” for condenado, haverá muito trabalho a ser feito. O primeiro passo é esse: acordarmos.
CM: Ser mulher ainda é um desafio. Como você lida com isso no dia a dia de sua filha?
SF: Minha filha tem hoje 15 anos e tenho muita esperança nessa nova geração. Vejo duas vertentes bem caracterizadas: uma de jovens reacionários, presos aos preconceitos certamente herdados de seus pais e outra de jovens para quem a realidade é mais oxigenada, consciente e humana. Eu aposto minhas fichas nesse segundo grupo; a própria vida mostrará aos jovens conservadores que esse caminho só produz solidão, frustração e violência.
CM: Madonna, recentemente em um discurso, disse também ter sido estuprada. Você acredita que essas atitudes encorajam outras mulheres a também denunciar? Ou procurar ajuda?
SF: Quando uma vítima famosa se levanta, ela encoraja incontáveis outras invisíveis a sair do silêncio. Vale dizer que uma vítima não pode ser obrigada a denunciar seu agressor: isso é um direito, não uma obrigação. Há mulheres que não tem estrutura psíquica para suportar o processo de denúncia (que muitas vezes se converte num novo estupro moral). Sobreviver emocionalmente já é um trabalho e tanto. Já as que denunciam dizem que essa atitude ajudou a curá-las. A palavra chave é respeito. Respeitemos as vítimas.
CM: Seu novo livro fala sobre homens que abusam financeiramente de mulheres. Como está sendo construído?
SF: Agora estou entrevistando mulheres que passaram por essa experiência e lendo estudos sobre psicopatia, perversão, mulheres apaixonadas por criminosos sexuais, etc. Eu também já passei por isso, não escolhi o tema ao acaso.
CM: Hoje, depois de tudo que você viveu, qual mensagem você deixa para as mulheres?
SF: Se todas as vítimas de estupro fossem marcadas por uma lâmpada acesa sobre suas cabeças, não haveria mais noite no mundo. Eu exagero? Pareço falar de uma epidemia? Não há exagero algum. Já estamos vivendo uma epidemia – e uma das mais violentas porque coberta pelo medo e silêncio. Eu diria e digo para cada mulher que já passou pelo mesmo que eu passei: a culpa não foi sua!
INSPIRE-SE: http://www.stellaflorence.net/
Carol, querida, muito obrigada pelo espaço e pela sensibilidade!
Obrigada a você pelo carinho, atenção e disponibilidade. Acredito que todos devem conhecer a sua obra para entender e respeitar o universo feminino. Grande abraço!
mutio bom o artigo
Super obrigada, fique a vontade por aqui. Abraços!