A partir dessa semana teremos algumas entrevistas com pessoas que acho simplesmente fabulosas. Personalidades que se destacam pelo profissionalismo, carisma e amor a arte, seja ela qual for. E para começar, nada melhor do que o aniversariante de ontem, meu super querido Rogério Fernandes…Descubram!
Rogério Fernandes é um artista completo, mas completo também na sua simplicidade. O conheci por acaso, no seu antigo ateliê e ele me convidou para um café. Enquanto admirava as suas obras, ele me contava um pouco da sua vida e do seu trabalho. Às vezes, éramos interrompidos pelas suas filhotas, que, já artistas, tomavam o espaço com cores e pincéis. E escolhi essa figura alegre, de sorriso fácil e apaixonado pelo que faz para a minha entrevista. Rogério faz parte, hoje, da alma de BH. Ele já “invadiu” os grandes espaços com suas cores e traços marcantes e inaugurou recentemente seu novo ateliê no coração da Savassi, se tornando oficialmente um cidadão belo-horizontino. Mas com um tempero mais do que especial.
Piauiense radicado em Minas Gerais, Rogerio Fernandes é um dos principais nomes da nova geração de artistas brasileiros, reconhecido internacionalmente através de seus muralismos, telas, gravuras e produtos diversos Designer, trabalhou como diretor de arte em agências de publicidade.
Após este período a arte tornou-se sua grande paixão e Rogério passou a se dedicar inteiramente a ela. Seu estilo tem grande influência da xilografia nordestina e sempre o revisita com tons de realismo fantástico.
Algumas vezes estabelece conexões e diálogos que interagem com a história da arte mundial e seus ícones, numa junção da arte contemporânea com personagens do imaginário popular.
Rogério Fernandes é um dos artistas mais completos de sua geração e alcançou visibilidade nacional e fora do Brasil como muralista, cenógrafo escultor e pintor. Além disso, o artista tem em seu currículo inúmeras exposições coletivas e individuais no Brasil e exterior, já tendo alcançado reconhecimento internacional.
1- Você uma vez postou algo sobre deixar as crianças desenharem, sem limites e sem criticas. Na sua infância, como foi esse processo?
Eu cresci em um ambiente muito rico e muito livre na parte criativa. Minha mãe era professora de artes e isso ajudou demais. Enquanto a maioria das crianças tinha uma educação muito castradora, sem poder fazer nada – era a época da ditadura militar – você imagina uma criança com liberdade para desenhar nas paredes do quarto sem ninguém para xingar? Era fantástico. E essa liberdade criativa muito grande em casa, no sentido de ter sempre um estímulo dos meus pais para o desenho, principalmente da minha mãe, que sempre incentivava, comprava guache, giz de cera é que fez aflorar essa arte. E hoje eu vejo como as crianças continuam sendo castradas pelos pais nos apartamentos. Tem apartamento com duas crianças onde nem parece que tem. Você chega no ap e o sofá tá limpinho, as paredes todas pintadinhas…E um local onde tem criança não pode ser assim. Eu acho que a criança tem que ter liberdade de ser criança dentro de casa também.
2 – Seus quadros tem traços marcantes e grandes, mas além deles, os postes e pequenas intervenções seguem o mesmo padrão. Como você faz para deixar o traço do tamanho ideal?
Na verdade, quando eu crio – ao contrário do que muita gente pensa – eu não amplio as minhas pinturas, meus desenhos, eu crio na hora. Eu não faço ampliação nem a proporção para o desenho ficar como eu imaginei. Eu crio em cima da superfície que eu tenho na hora. Já a questão de estilo, de deixar com a minha cara, é mesmo uma questão do meu jeito, de uma limitação minha como artista. Rssss… Eu faço uma coisa que em que eu me sinto confortável, que eu acho bacana e que me dá prazer.
3 – Você é um artista bem politizado, isso atrapalha na parte comercial?
Eu sou um artista politizado, mas também sou uma pessoa comum, como outra qualquer. Quando eu emito a minha opinião sobre política eu não estou pensando e não penso se vai atrapalhar minha relação comercial com a, b, ou c. A função do artista é questionar, qualquer que seja ele. Eu não tenho partido político e acho triste o artista que se presta a ser sustentando pelo governo. Acho a lei Rouanet importante, mas não concordo com um artista sendo sustentado pelo governo e sendo cupincha dele. Não vejo artistas de valor sendo cupinchas de governo. Grandes artistas como Picasso, Dali, Frida Kahlo usaram o poder da arte para fazer uma crítica forte aos desmandos do governo.
4 – Como as ideias fluem para você? Você tem algum caderno de anotações, registra no celular, fotografa? Onde busca inspirações?
As ideias surgem para mim de uma forma avassaladora. Eu costumo dizer que é tanto que é até um problema de tantas ideias que eu tenho. Mas eu não considero um dom, não acredito em inspiração, eu acredito no exercício de uma habilidade, de um prazer que é, no caso, da arte. Quando você gosta muito de alguma coisa tem que exercitá-la a exaustão. E aas ideias vem dai, desse exercício constante. Na minha vida não tem férias, não tem feriado. Desde que eu me conheço por gente, por artista, eu desenho todos os dias, crio todos os dias. Não acredito em ócio criativo – acho isso uma bobagem – acredito em trabalho. Hoje eu registro muitas ideias, faço muitos estudos daquilo que ainda vou criar, desenhar, dentro do meu estilo. Hoje eu tenho mais de 400 cadernos de desenhos, todos preenchidos por mim, com ideias, registros, desenhos prontos, croquis. Ao contrário das outras pessoas, eu desenho o que vejo, não tiro foto das lembranças. E tem de tudo: texturas, pessoas, moda de cada pais, cores. Isso tudo forma uma biblioteca informal, pois a partir dela, eu busco essas conexões para as próximas criações, como se fossem gavetinhas do cérebro repletas de recordações e referências.
5 – Qual a sua formação acadêmica? Você acha que ela é necessária para um artista ou só o talento basta? A classe social influencia?
Acho que a classe social influencia muito, na questão da formação educacional, pois aí você dá valor realmente aquilo que interessa, que é a formação intelectual. Mesmo que isso independa da classe social, do dinheiro, mas uma coisa acaba acompanhando a outra. Quando você tem pais que valorizem a educação e a formação cultural dos filhos – não quer dizer que estejam na classe média ou alta – mas acontece mais nessas classes. E também a educação, senso estético, valorização da estética e da beleza também influenciam. Quando você apresenta para uma criança dois universos, um banal, medíocre, e outro espetacular, que vai além, a criança vai escolher o espetacular, aquilo que causa mais impacto no seu cérebro. É nisso que eu acredito. Infelizmente, a educação é muito ruim, porque falta alguém que mostre o lado espetacular para essas crianças.
6 – Até onde vai o poder do cliente e ate onde vai a sua criatividade? Você já fez algum quadro que não gostou, mas que agradou apenas ao cliente? É sofrido?
No meu caso, o poder do cliente é financeiro e emocional. Não penso se ele vai gostar ou não. O único crivo que eu tenho é o meu gosto pessoal. Porque eu não posso pensar jamais se o cliente vai gostar dessa cor ou dessa forma, até porque eu nunca vou conseguir estar na pele do cliente. Essa é uma grande ilusão, quando o cliente pede assim ou assado, porque esse pedido não faz sentido. Por mais que você tenha que direcionar um artista para o que vc quer, nunca vai ser igual. E quanto mais o cliente exige, mais vai sair frustrado, pois a capacidade de ser surpreendido desaparece e um dos grandes valores da arte é ser surpreendido. Quando um cliente faz uma encomenda, ele tem que confiar em mim, confiar que eu vou fazer o melhor que eu puder, pelo menos naquele dia.
7 – Você já teve algum bloqueio criativo? Se sim, como lidou com isso?
Bloqueio criativo não, como eu disse antes, pois não acredito nisso, nessa falta de ideias por que eu tenho muitas. Se colocarem 30 telas na minha frente eu pinto todas, umas melhores, ouras nem tanto, mas preencho todas com felicidade. Eu acredito muito em cansaço, tanto físico como mental que tenho sentido ultimamente, mas não tem afetado a qualidade do meu trabalho. Tenho produzido cada vez mais e gostado muito da minha fase atual e de como tenho melhorado a cada dia como artista, afinal, a gente nunca está pronto e a tendência é gostar cada vez mais do que faço. O meu único pesar é a respeito das limitações físicas, que são naturais do ser humano. Mas a mente está a mil, super produtiva. Só espero que meu corpo acompanhe a minha mente durante muito tempo ainda.
8 – Qual quadro/obra lhe deu vontade de dizer: Parla!
Sempre tenho uma grande admiração e respeito pelas últimas obras que eu faço. Quando entrego um trabalho ele é o máximo, pois ele foi o melhor que pude fazer naquele dia – não da minha vida e da minha carreira – mas naquele dia. E eu me coloco por inteiro, me dedico mesmo, me entrego de corpo e alma em cada trabalho que faço. Independente do tamanho da obra, um desenho simples, um trabalho grande, um quadro ou algo mais complexo. Isso já é muito gratificante, pois você se respeitar como pessoa e como artista é fundamental. E eu busco melhor sempre, sou muito perfeccionista, gosto do meu trabalho muito bem acabado, muito bem feito, muito bem pintado, isso faz parte de uma excelência de qualidade. Eu não falo muito PARLA, pois eu já converso muito com as minhas obras e elas conversam comigo. Elas falam comigo o tempo todo. Eu entro no universo da obra. Cada mulher, cada figura, cada ser que eu pinto são personagens que saem do meu imaginário, do ideal, do meu universo, e elas conversam comigo e eu converso com elas. Eu não só falo parla como elas falam PARLA, HOMBRE!
9 – Ser criativo é um dom ou um trabalho árduo?
Ser criativo é um trabalho, mas arte não é profissão. É uma escolha de vida. É um modo de vida, é uma escolha que me acompanha 24 horas por dia e não é uma retórica, é uma realidade. Eu durmo e acordo trabalhando. O meu prazer é o trabalho. Rs..Eu até tento me policiar para não ser tão workaholic como eu sou, mas como eu tenho muito prazer no trabalho acaba sendo natural. Não é difícil, mas é árduo, é cansativo como qualquer profissão que você se dedica. Eu me dedico muito, várias horas por dia. Claro que me dedico também aos meus filhos, a família, mas meu foco é o trabalho. É o que eu amo e me considero uma pessoa privilegiada por ganhar a vida com que eu amo. Afinal, você não escolhe arte como profissão, mas como modo de vida. Você não estuda arte, você adquire conhecimentos específicos sobre arte, mas ela está intrínseca na sua vida desde que você nasce. Algumas pessoas tendem a desprezar isso e deixar de lado e talvez por isso não tenham sucesso em suas carreiras. Mas você tem que se dedicar. Se você não se entrega a arte, é porque você não ama, você não é artista. Se você não doa o seu corpo, a sua alma, a sua vida, você não é artista. Quando você exerce a arte como profissão, você é um artista medíocre.
10 – Existe um elemento comum nos seus quadros: os gatos. Eu sei que você tem dois, como é essa relação com os bichanos?
Acho que eles me observam muito mais do que eu a eles. Acho impressionante a personalidade, o jeito boêmio. Às vezes, no meio da noite, eu estou pintando e eles estão lá, espreitando, como se tentasse adivinhar meu pensamento. Não servem para dar alarme de bandido, para te defender nem nada. Mas fazem companhia. Talvez eu é que faça companhia a eles…Rs…E é natural essa inserção, afinal, eles também fazem parte do meu mundo.
Comento com ele que tenho 5 gatos e a resposta: Então já dá para fazer uma tese de mestrado só observando esses bichos, eles são realmente sensacionais!
Sensacional é você, Rogério…Sucesso sempre!